Artigo

40 anos de democracia no Brasil
Rodrigo Enrich de Castro¹
No começo do ano de 1985 o país ainda vivia um período de forte crise econômica, com uma inflação que havia superado 200% em 1984, com o aumento da dívida externa, da recessão e do desemprego e o consequente aumento da desigualdade e da violência. O aprofundamento desses problemas não foi suficiente para evitar que o processo de abertura política e redemocratização fosse feito de forma pactuada, com as forças armadas controlando todo o processo político, de acordo com o projeto posto em prática a partir de 1974 pelo então presidente ditador Ernesto Geisel e pelo chefe da casa civil Golbery do Couto e Silva.
No dia 25 de abril de 1984 foi derrotada a proposta de emenda constitucional nº 05/1983, conhecida como Emenda Dante de Oliveira, que propunha a eleição direta para presidente da república e contava com amplo apoio popular. A partir de então, começaram as negociações para a eleição indireta pelo colégio eleitoral, que ocorreram no dia 15 de janeiro de 1985. Uma parte do PDS (Partido Democrático Social, antiga ARENA, partido de sustentação da ditadura civil-militar), descontente com a indicação de Paulo Maluf à presidência, foi para o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Outra parte do PDS criou a chamada Frente Liberal. Assim, em agosto de 1984, PMDB e a Frente Liberal formaram a Aliança Democrática, com Tancredo Neves como candidato à presidência e José Sarney, antigo político da ARENA e recém filiado ao PMDB, como candidato a vice-presidente.
As negociações deram resultado e no dia 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves (PMDB) foi eleito presidente no colégio eleitoral com uma esmagadora vitória de 480 votos contra 180 de Maluf (PDS) e 26 abstenções. A eleição de Tancredo marcou oficialmente o fim da ditadura civil-militar no Brasil.
A posse do novo presidente estava marcada para o dia 15 de março. Um dia antes, Tancredo, que já sofria com desconforto há alguns dias, foi internado com fortes dores abdominais, ficando impedido de tomar posse. Tancredo, até aquele momento, havia escondido sua doença da opinião pública, pois temia que essa notícia pudesse causar algum tipo de agitação nas forças armadas e pôr em risco sua posse e a redemocratização do país.
Com a internação de Tancredo, o vice-presidente José Sarney tomou posse como presidente da república interino. Sarney havia apoiado a ditadura como senador pela ARENA, entrando no PMDB poucos meses antes das eleições indiretas. No entanto, quem controlava o governo nesse primeiro momento era Ulysses Guimarães, principal líder do MDB durante a ditadura, experiente e hábil articulador político.
Tancredo Neves morreu no dia 21 de abril, após ter sido submetido a sete cirurgias. José Sarney assumiu efetivamente como presidente da república, inaugurando o atual período de 40 anos de regime democrático - o mais longo da história do país - com seus avanços, retrocessos e continuidades.
A lembrança dos 40 anos da redemocratização no Brasil serve como um momento de reflexão acerca da importância da democracia como o regime que garante uma série de direitos civis e políticos para toda a população, especialmente no atual contexto de ataques às instituições democráticas por parte de alguns atores políticos. O caso brasileiro é um bom exemplo da convivência problemática entre os altos índices de desigualdade e um regime democrático, produzindo uma democracia durável, porém pobre e de baixa qualidade. Apenas em um regime democrático o Brasil poderá superar as suas mazelas históricas.
No acervo de imprensa do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa contamos com inúmeros periódicos que cobrem todo o período da chamada “nova república”, como os que estão neste texto, além de periódicos raros, publicações do século XIX e XX, com foco específico na imprensa do Rio Grande do Sul.
¹Historiador e servidor do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa.
Referências
FERREIRA, Jorge. ALMEIDA, Lucilia de Almeida Neves. O tempo da nova república: da transição democrática à crise política de 2016. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
FICO, Carlos. História do Brasil contemporâneo: da morte de Vargas aos dias atuais. São Paulo: Editora Contexto, 2015.
MUNCK, Gerardo. “The state as a determinant of democracy: Durable poor-quality democracies in contemporary Latin America”. Democratization, 2023.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.