Notícias

50 anos sem Vladimir Herzog 

Por Maria Eduarda Grazioli Maidana  e Rodrigo Enrich de Castro, do núcleo Educativo & Pesquisa do MuseCom

O ano de 2025 foi declarado pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) como o Ano Vladimir Herzog, homenagem que celebra a vida e o legado de um dos maiores símbolos da luta pela democracia, pela liberdade de expressão e pelos direitos humanos no Brasil. 

Vlado Herzog, brasileiramente batizado como Vladimir, nasceu em 27 de junho de 1937, na cidade de Osijek, então parte da Iugoslávia, atual Croácia. Filho de um casal judeu, viveu os primeiros anos de infância em meio às tensões da Segunda Guerra Mundial. Em 1946, após passagem por campos de refugiados na Itália, chegou ao Brasil com sua família, que buscava um novo começo longe das profundas dificuldades que assolavam a Europa.

Foi em São Paulo que Vladimir construiu sua história. Estudioso e curioso, formou-se no curso clássico do Colégio Estadual de São Paulo e ingressou na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP). Desde jovem, demonstrou interesse pela arte, pela cultura e, sobretudo, pela comunicação como instrumento de transformação social. 

Sua carreira jornalística teve início em 1959, no jornal O Estado de S. Paulo. Rapidamente se destacou por sua inteligência, ética e sensibilidade no trato com a notícia. Cobriu momentos marcantes da história brasileira, como a inauguração de Brasília, a visita do filósofo Jean-Paul Sartre ao país e a posse de Jânio Quadros. 

Apaixonado por cinema, produziu e colaborou em filmes documentais que retratavam a vida e as contradições do povo brasileiro. 

Ao longo da trajetória profissional, Herzog atuou em diversos meios: Revista Visão, TV Excelsior, BBC de Londres (onde residiu no período), TV Universitária da UFPE e, mais tarde, na TV Cultura, onde assumiu, em 1975, a direção de jornalismo. Sempre defendeu o jornalismo como um espaço de liberdade, reflexão e compromisso ético com a verdade. 

Naquele mesmo ano, o país vivia um dos períodos mais sombrios de sua história: a ditadura civil-militar iniciada em abril de 1964. 

Em 24 de outubro de 1975, foi procurado pelos agentes do DOI-Codi/SP, órgão de repressão do regime, na emissora em que trabalhava para prestar depoimento. No dia seguinte, Vladimir Herzog compareceu voluntariamente ao DOI-Codi, de onde não sairia com vida. Tinha apenas 38 anos. 

Horas depois, as autoridades divulgaram uma nota afirmando que o jornalista havia cometido suicídio em sua cela. A versão, porém, era uma farsa cruel, montada para encobrir a tortura e o assassinato de um homem que lutava pela liberdade, democracia e direitos humanos. 

O impacto foi imediato, a sociedade reagiu com indignação. Redações de jornais suspenderam suas atividades em sinal de luto e protesto. O Sindicato dos Jornalistas manteve vigília permanente. E no dia da missa de sétimo dia, a Catedral da Sé e seus arredores se tornaram palco de uma das maiores manifestações contra o autoritarismo. Católicos, judeus e protestantes uniram-se em um ato ecumênico histórico, conduzido por Dom Paulo Evaristo Arns, o Rabino Henry Sobel e o reverendo Jaime Wright, que, para muitos, marcou o início do enfraquecimento do regime militar. 

A versão oficial de suicídio foi sendo desmentida ao longo dos anos. Os laudos e fotografias apresentados à época tentavam sustentar uma mentira. Entretanto, depoimentos de colegas, familiares e testemunhas revelaram as evidências das torturas sofridas por Herzog. 

Em 1976, sua esposa, Clarice Herzog, moveu uma ação judicial contra a União, buscando a verdade e a responsabilização do Estado. Após intensa batalha judicial, em 1978, a Justiça reconheceu a prisão arbitrária, tortura e assassinato de Vladimir Herzog. Décadas mais tarde, a própria confissão de um dos militares envolvidos confirmou o assassinato, encerrando de forma definitiva qualquer dúvida sobre o crime. 

O nome de Vladimir Herzog ultrapassou as fronteiras do tempo. Sua morte não calou a imprensa – ao contrário, acendeu uma chama de resistência que iluminou o caminho da redemocratização do Brasil. Seu exemplo inspirou gerações de jornalistas, educadores e defensores dos direitos humanos a jamais abrirem mão da verdade. 

Desde 2009, o Instituto Vladimir Herzog, criado por sua família e amigos, mantém vivo o legado do jornalista. A instituição promove ações voltadas à educação em direitos humanos, ao fortalecimento da democracia e à valorização da memória histórica – porque lembrar é também resistir. 

Hoje, ao rememorar Vladimir Herzog, reafirmamos o compromisso com os valores que ele defendeu com coragem e dignidade: a verdade, a liberdade e o respeito à vida humana. Sua história continua a nos inspirar a construir um país mais justo, plural e democrático.